O vento sopra com violência. Faz-se ecoar por entre as falésias e arribas do Cabo Sardão. O mar está agitado e a rebentação enfrenta com estrondo um penhasco, que por capricho da natureza se encontra afastado da falésia, mergulhado num oceano de perder de vista. A negritude do céu deixa antever a chuva que se adivinha. No alto do tal penhasco, o seu, ela fita o horizonte, elegante e sobranceira, indiferente ao cenário tempestuoso que a rodeia. As intempéries da região não a atormentam nem amedrontam, ou não regressasse ela ano após ano. É a Rainha do Penhasco.
Atrás de si os ovos, esperam o melhor momento para uma nova vida ver a luz do dia, garantindo assim a continuidade de uma espécie que todos os anos nidifica nas escarpas laminadas e abruptas do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, nomeadamente de Fevereiro a Junho entre o Cabo Sardão e Sagres. Quando as crias nascem, os seus progenitores celebram o momento com pompa e circunstância num ritual único, rodando os seus longos pescoços para trás e batendo os bicos.
Este fenómeno atraí muitos curiosos a esta região. De meros observadores de aves, a fotógrafos ávidos de captar momentos únicos onde a paisagem dramática da região se funde com esta ave elegante e esbelta sem esquecer os biólogos, que todos os anos estudam a colónia de Cegonhas Brancas (Ciconia ciconia) por estas paragens.
De acordo com Inês Trigo, bióloga do Parque Natural e após vários estudos realizados este é o único local no mundo onde a cegonha branca nidifica em zona costeira. Uma dádiva da natureza.
Do ponto de vista pessoal, apaixonei-me em 2020 pela forma como esta espécie nidifica em algumas das paisagens mais inóspitas do Parque Natural e pelas imagens dramáticas que se podem obter durante este período de tempo que a cegonha branca dá uma outra envolvência à paisagem mais a sul do nosso país.
Este ano o desafio foi ainda maior e passei vários dias a presenciar o amanhecer nesta paragens – na companhia desta ave que dia após dia cada vez mais me fascina – podendo assim explorar a região, o seu comportamento e conhecer novos locais de nidificação ainda para mim desconhecidos.
Texto e fotos por Nuno Luís