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A PERTURBADORA CONFORMIDADE SOCIAL NA CRIAÇÃO ARTÍSTICA

Setembro 12, 2023

Texto publicado originalmente no nº 10 da revista Perspetiva

A vida é perturbadoramente diversa. O que mais atordoa, porém, é a sua conformidade.” Adam Rutherford

Eu fotografo para e por mim. Este chavão, que recorrentemente oiço em fotógrafos amigos e não só, é, na minha opinião, uma necessidade de afirmação e sobretudo emancipação artística, sob a ânsia, ainda que omnipresente, de o artista se distanciar dos demais e elevar a sua obra, deixando para trás a imitação, modas ou tendências que minem a mente e o espírito no momento de criação. É a libertação das amarras de não estar limitado pelas expectativas e pressões de influências exteriores, permitindo assim ser fiel à sua visão pessoal.

Outrora, Platão criticou veemente a abordagem de seguir modas ou tendências na expressão artística, referindo-se a tal, como uma “cópia imperfeita do mundo”. Por seu lado, Aristoteles, defendia o oposto e encarava tal ato como uma purificação emocional, sugerindo que o artista, assim, faria uma representação da realidade de forma mais atraente e significativa. Por certo, cada um teria as suas razões e fundamentos ao defenderem ideias tão opostas. Não deixa de ser uma questão para refletir.

Há uma verdade que não deve ser ignorada. Acredito efetivamente que quem cria algo, numa primeira instância, tem o desejo de o fazer para si de forma livre, abstraindo-se o mais possível de influências. Terceiros gostarem do resultado dessa criação, deverá ser entendido com um efeito colateral de reconhecimento do artista enquanto fonte de criação.

A minha formação académica é em tecnologias de informação. Mas insistentemente, comento no meu círculo mais próximo que um dia irei obter uma formação académica na área da psicologia. Sempre foi algo que me fascinou. Quem sabe… Sonhar, por enquanto, ainda é gratuito.

Abstrações aquáticas

Por falar em psicologia, lanço para esta reflexão um nome: Solomon Asch, porventura, desconhecido para muitos. Para mim era. Descobri-o nas pesquisas efetuadas para escrever esta reflexão. Este senhor foi um psicólogo polaco, que fez vida nos EUA e é considerado um dos pioneiros da teoria da conformidade social. Que tem este senhor e este tema a ver com arte? Num primeiro olhar, responderia taxativamente que nada.

A teoria da conformidade social é um campo de estudo que ajuda a ter um entendimento sobre a dinâmica das interações humanas e o poder da influência social sob as mais variadas formas. Os estudos levados a cabo e que culminaram com o seu surgimento, definem-na “como a adesão de alguém a uma opinião ou a um comportamento, mesmo quando estes diferem do próprio modo de pensar e sentir do individuo”. Foca-se essencialmente no ponto em que o ser humano, enquanto animal social, fica vulnerável à pressão do grupo e muitas vezes se adapta às regras e circunstâncias vigentes, sem contestar. O motivo desta, por assim dizer, subjugação, é muito simples: não se sentir excluído e ser aceite!

No entanto, esta teoria também ajuda numa reflexão mais profunda, na tentativa de defender o Eu como soberano, não aceitando de ânimo leve, aquilo que lhe é imposto como uma verdade absoluta, sob pena da diferenciação ou exclusão. Este é precisamente o ponto a que queria chegar.

Sou um ávido consumidor de arte visual, sobretudo fotografia e pintura, seja através das redes sociais, de livros ou visita a exposições. Este consumo, quase que compulsivo, tem permitido o elevar da minha cultura visual e, sobretudo, tem-me ensinado a comunicar e a expressar as minhas ideias, emoções e narrativas através da fotografia. Aguçou, igualmente, a vontade de experimentar novas abordagens, técnicas e conceitos na fotografia, permitindo o alargar do horizonte da criatividade. Ajudou definitivamente a desconstruir a ideia, enraizada em mim anos a fio, da perfeição na arte, na fotografia. Este pode ser um tema a abordar numa futura reflexão. Não me querendo alongar, a verdade é que atualmente gosto da imperfeição que vejo em muitas das minhas fotografias. Sinto uma atração viciante pelo imperfeito. Quem diria!

Sendo um ávido consumidor de arte visual, questiono-me, até que ponto não estou a condicionar o “fotografar para mim”? Se por um lado pode ser inspirador, os mais puristas (se é que existem!), por certo, não perdem a oportunidade de apontar este consumo como um condicionamento criativo e estar apenas a responder a estímulos visuais e no fim do dia, ainda que camuflado, ser mais um a seguir o rebanho. Entendo que seguir o rebanho, ainda que inconscientemente, seja o caminho mais apetecível. Traz consigo o conforto da aceitação e da sensação de pertença a algo. Será assim tão relevante pertencer a um grupo, a uma tendência ou moda?

Depois do que escrevi acima, tento ser coerente comigo mesmo. Serei eu também vítima da teoria da conformidade social? Seremos todos nós? Quero acreditar que não e nessa lógica de raciocínio, reafirmo: fotografo para mim, livre de influências, modas e tendências. Há que ser resiliente face a essa doce tentação!

Nada melhor que analisar os factos. São um belíssimo aliado, como já referi várias vezes neste espaço. Durante vários anos, a minha fotografia sofria de falta de criatividade. Limitava-me a ser um mero registador de locais bonitos. Curiosamente, já nessa altura passava horas a ver imagens desses ditos locais mágicos e sonhava com o dia que os poderia visitar. Uma linha orientadora como outra qualquer. Gostava das imagens que ia fazendo. Ao invés, atualmente, o desafio do imprevisto atrai-me. De uma forma simplista, se um dia criar um slogan para assinalar estas duas fases distintas do meu percurso enquanto fotógrafo, será algo do género: Adeus fotografia documental! Olá fotografia experimental! Mas regressa a questão: Será motivo suficiente, agora que o imprevisto é a minha praia, para não ser mais um a seguir o rebanho? Haverá efetivamente assim tantas diferenças entre uma fase e outra? No resultado final, definitivamente há, mas…

No fundo do mar

Atualmente, vejo-me no que apelido de fase hippie na fotografia. O meu sentimento sobre esta etapa, é, a meu ver, sinónimo de desapego, relativamente a regras, vícios e tudo aquilo que possa condicionar o momento da criação artística. Tenho a agradável sensação de que estou no caminho certo. Fotografo como quero e aceito o que a natureza tem para me dar sem praguejar. Tento sempre encontrar alguma situação que seja fotografável e desde que adquiri uma objetiva macro, este espírito ficou ainda mais acentuado. Há uma fonte de positividade que fluí dentro de mim.

Recentemente, numa das muitas idas ao Parque Natural do SW Alentejano e Costa Vicentina, fiz um par de imagens que muito me agradou. Passado uns dias partilhei algumas dessas mesmas imagens no maior tribunal artístico do mundo: as redes sociais O veredicto recebido daqueles que me são mais chegados foi muito bom. Todos gostamos de reconhecimento, nem que esteja confinado a meia dúzia dos famosos “gostos” nas redes sociais, ou à aprovação de um ou outro fotógrafo que mais consideramos e que dá uma palmada nas costas, ajudando o ego a crescer mais um pouco. Como é bela a vida!

Porém, o mundo real não é tão cor-de-rosa como o imaginamos. Pode ser cruel. Num dia como tantos outros, estava em amena cavaqueira virtual com uma amiga e fotógrafa que muito considero e estimo e com a qual habitualmente troco ideias sobre arte e fotografia, quando em jeito de desabafo confidenciou, referindo-se ao tipo de imagens mais ou menos abstratas que eu tinha partilhado: “Há uma luta interior em nós, fotógrafos, para ser único nas fotografias que fazemos, mas a verdade, e mesmo em sintonia com uma linha mais criativa na busca pelo diferenciador, aquilo que efetivamente vejo é maioritariamente cópias de centenas de outras fotografias que se veem, sobretudo nas redes sociais”. A vida encontrou forma, de mais uma vez, me fazer refletir! O desassossego interior parece não ter fim.

Refleti sobre o seu comentário. O resultado dessa reflexão é precisamente o que partilho nestas linhas. Naquela minha outra fase na fotografia em que me intitulei de fotógrafo documental, eu repetia imagens de locais belíssimos fotografados de forma massiva. Atualmente faço, ou pelo menos há essa tentativa, fotografia abstrata e, por conseguinte, inimitável.

Será esta nova fase, na sua génese, o continuar do seguir de um rebanho? Se sim, pelo menos sinto o conforto de tentar fazer algo único.

O que mudou afinal de uma fase para a outra? O problema serei eu? Será a influência da globalização e massificação das artes visuais trazida pelas redes socias? Será a teoria da conformidade social a deitar as garras de fora? Haverá alguém que efetivamente fotografe, ou num sentido mais lato, crie arte sem condicionalismos? Ou, em última análise, estarei a criar uma tempestade num copo de água e este tema nem faz sentido?

Quero acreditar que de acordo com a minha perceção, esta fase que carinhosamente apelido de hippie na fotografia, não é mais que um “fotografar para mim” e que estou imune ao ruído visual que emana do exterior. Mas, há a inquietação, se não serei apenas mais um na busca incessante pela aprovação e aceitação. Com maior ou menor criatividade na minha fotografia, e após alguma reflexão, sinto que sigo um rebanho, diferente do anterior, talvez mais diferenciador, mais elitista, mas não deixa de ser um rebanho. Deixo de ser aprovado por um determinado grupo e recebo a bênção de outro.

Uma simples troca de ideias, desarmou-me, no bom sentido. Ao pensar nestes temas de forma mais profunda e de levantar algumas questões, sinto-me David a lutar contra Golias e as conclusões não chegam de mão beijada…

Poderia aqui levantar questões mais filosóficas, mas o chavão “Eu fotografo para mim” não é tão simples como a facilidade com que é pronunciado. Associado habitualmente ao desapego de influências, a verdade, mais que não seja inconscientemente, é que existem muitos fatores influenciadores que gravitam à volta do tal momento sublime de criação a que ninguém está imune, sobretudo num mundo cada vez mais globalizado. Independentemente destas questões, a verdade é que sinto-me bem e confortável nesta minha atual fase na fotografia e é o mais importante, sem nunca deixar de ponderar sobre estes temas mais pertinentes.

Na série “Espaço 1999”, da qual sou grande fã, o capitão Koenig e a sua tripulação, após a sua base ter sido lançada para fora da órbita da lua, procuram incessantemente um planeta para viver. É a sua luta diária. Tal como o capitão Koenig, vou continuar a refletir, a cada dia, sobre arte, de uma forma geral, e sobretudo sobre fotografia, mantendo esta luta, no bom sentido, sempre na perspetiva de encontrar algumas respostas e com elas algum sossego interior.

Em jeito de desabafo, sinto saudades de quando comecei a fotografar. Da inocência desses tempos. Quanto mais racional e consciente estou na fotografia e na arte em si, exponencialmente mais aumentam as minhas incertezas e inquietações. No entanto, há um lado positivo, uma vez que é essa racionalidade que me permite refletir sobre estas temáticas, sem tremer quando a dúvida e a incerteza possam pairar no ar.